Sônia Maria de Magalhães

Diagnóstico do interior do Brasil: saúde e doenças em de Goiás de 1823 a 1916

As impressões de Goiás como província doente permeiam os registros de autoridades, administradores, governantes e médicos ao longo do tempo. Os administradores, contudo, já cogitavam que a alimentação deficiente, as precárias condições de vida e a topografia desfavorável da capital “assentada numa profunda bacia de terreno úmido, cercada de montanhas e sujeita a altas temperaturas” talvez explicassem a diversidade de achaques reinantes naquele local. À medida que se adentrava o Oitocentos, os administradores e os médicos locais passavam a responsabilizar a localização e a arquitetura da cidade de Goiás como fatores preponderantes para as diversas patologias reinantes. Estudos relacionados à história das doenças e da medicina em Goiás só muito recentemente têm granjeado a atenção do historiador, denotando um espaço aberto para múltiplas investigações. Até então, a História da Medicina em Goiás do médico Jerônimo Bueno constituía-se um dos raros estudos sobre o tema. Destarte, os personagens da medicina regional: médicos, boticários e administradores dos antigos estabelecimentos hospitalares permeiam seu estudo. Após duas décadas de silêncio, a matéria emerge com mais vigor no livro Saúde e doenças em Goiás, que propõe conhecer a saúde e a doença vistas e vivenciadas pelos goianos relacionadas com a alimentação, a habitação, a higiene, o clima, as águas e outros componentes do modo de vida e das mentalidades regionais. A obra, alicerçada em fontes originais, fornece aos pesquisadores notável contribuição para a história, a medicina e a saúde pública. Obra singular também por contemplar como espaço de análise o interior do Brasil numa época em que os trabalhos de história da medicina elegiam as regiões litorâneas. A leitura de Saúde e doenças em Goiás me atentou para a necessidade de inquirição sobre a construção social da doença por intermédio das impressões e registros dos administradores e médicos que lançaram seus olhares sobre a realidade goiana em diversos momentos.Temática que carece de investigação, pois não foi devidamente contemplada negligenciada pela historiografia. O recorte cronológico proposto, 1823 a 1916, almeja investigar a construção do cenário nosológico regional a partir dos registros do Comandante das Armas Raymundo da Cunha Mattos que, por meio de suas correspondências, nos legou registros singulares sobre as doenças reinantes na parte setentrional da província. A inquirição perpassa a maior parte do século XIX atentando-se para a construção da enfermidade a partir dos pareceres dos administradores e médicos locais. Considera ainda as impressões das expedições científicas que incursionaram o território: a Comissão Cruls no limiar do Oitocentos e a chefiada pelos médicos Belisário Penna e Arthur Neiva no início do século XX. O debruçar sobre este debate, certamente, trará à tona análises de profundidade sobre questões que, até então permanecem ocultas ou negligenciadas na elaboração do diagnóstico nosológico de Goiás nos séculos XIX e XX. A abrangência temporal, por sua vez, tenta captar as permanências e rupturas, continuidades e descontinuidades na construção e compreensão da saúde, da doença e das condições sanitárias goiana ao longo do tempo. Assim sendo, a pesquisa trabalha na longa duração, o que sobreleva a força da continuidade.