Sônia Maria de Magalhães
Beribéri: o discurso médico-científico e a construção histórica de uma doença no Brasil (1858-1942)
O beribéri, carência de vitamina B1 no organismo humano, esteve presente na sociedade brasileira colonial e, por vezes, de forma epidêmica. O termo deriva de uma palavra cingalesa, que significa fraqueza. É conhecida desde a antiguidade no Japão, descrita também nos primeiros tratados médicos chineses. A formas de beribéri, o “úmido” e o “seco”, têm sido muitas vezes consideradas como doenças
distintas. O primeiro caracterizava-se pelo inchaço e complicações cardíacas, perda dos sentidos, do tato, elevação da temperatura e dor. O segundo manifestava-se com pouco inchaço, com perda progressiva do controle motor seguido de atrofia dos músculos dos membros paralisados e uma síndrome de perda geral. Este, com maior probalidade de óbito, podia provocar nos doentes, paralisias incuráveis. A descoberta da etiologia do beriberi provocada por uma deficiência nutricional levou à identificação e ao estudo das vitaminas. Essa mazela não foi apenas uma causa de enorme sofrimento humano e morte, mas também uma das doenças mais importantes para o desenvolvimento da ciência. Deste modo, a presente pesquisa tem como objetivo problematizar o processo de construção histórica da enfermidade Beribéri como um fato médico no Brasil, por intermédio de análise histórica que a transformou em uma doença desvendada e controlada pela Medicina. Propõe a perceber os impactos sociais provocados pela doença no país, ao longo da segunda metade do século XIX e meados do XX quando a sua incidência passou a ser registrada, fomentando intenso debate sobre a sua etiologia entre os médicos, até a constituição de um coletivo de pensamento associando-a à carência de vitaminas. A doença como objeto de pesquisa tem granjeado novo sentido na análise do historiador, que a examina não apenas como um fenômeno biológico, mas associada, sobretudo, aos aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais. Nessa concepção, a doença torna-se um problema que ordena uma explicação, portanto é cogente que ela tenha uma baliza e um sentido. Nesta perspectiva, a saúde e as doenças são consideradas no cabeamento de analogias envolvendo saberes e práticas, instituições, representações sociais e culturais, relações de poder, bem como a ciência, a sociedade, a cultura, a religião, o espaço ambiental. O recorte cronológico 1850 a 1942 apreende os primeiros registros da doença contidos nas teses médicas defendidas nas faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia até a década de quarenta, quando formou um coletivo de pensamento em torno da moléstia.
Pênfigo foliáceo em Goiás: o discurso médico-científico e a construção histórica de uma doença
Este projeto tem como propósito a constituição de uma narrativa histórica e do discurso médico-científico sobre o pênfigo foliáceo em Goiás ao longo do século XX. Doença bolhosa autoimune da pele que acomete com mais frequência crianças, adolescentes e adultos jovens que vivem nas áreas rurais de regiões endêmicas. A doença foi diagnosticada pela primeira vez no Brasil, em 1845, pelo médico da expedição científica de Francis Castelnau, Hugh Weddel. Na ciência médica brasileira foi descrita pela primeira vez no país em 1903, pelo médico Caramuru Paes Leme. Os principais focos se situam no Distrito Federal e nos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Na década de 1960, o médico Anuar Auad defendia que a melhor terapia do mundo para os casos da enfermidade era oferecida pelo Hospital do Pênfigo de Goiânia. Trata-se de uma abordagem inédita feita a partir do viés histórico. Embora permaneça sendo objeto de pesquisa amplamente visitado pela ciência médica, em especial a dermatologia, tem passado ao largo das preocupações dos historiadores da saúde e da doença.